Criando um universo 2D


Figura 12.1

Quando se fala em um começo para o Universo, é forte em muitas pessoas a imagem de um espaço vazio que vai sendo preenchido com matéria após uma grande explosão. Para compreender o erro presente nela, vamos ver agora como seria um Big Bang criador de um universo com apenas duas dimensões, para que possamos fazer depois uma analogia com o nosso.

Um espaço 2D é uma superfície colocada em um espaço 3D (pelo menos). Imagine, então, um universo 3D infinito, no qual exista um ponto singular, de grande densidade e grande temperatura, que vai gerar um universo com a forma de uma superfície esférica. Pense bem nisso, pois se o universo que vai nascer é 2D, o espaço 3D vazio ao redor daquela singularidade não pode ser visto como espaço comum, já que os futuros seres 2D não terão acesso direto a ele. Por isso, é melhor que ele seja encarado apenas como "o grande nada para onde o universo 2D bebê vai poder crescer". Para um futuro ser 2D inteligente desse universo, a época de existência da singularidade poderá ser apontada como a época em que não havia espaço, já que nenhuma superfície estava presente ali.

Algo ocorre (figura 12.1). A singularidade se expande e assume, de imediato, a forma de uma superfície esférica muito pequena, retendo nela toda a energia existente anteriormente naquele ponto denso. Um universo 2D acaba de nascer, como uma bolha de sabão que ainda vai crescer muito. Nada há dentro nem fora da bolha esférica, pois essas regiões estão numa dimensão mais elevada, desenvolvendo-se ao longo do terceiro eixo. Somente a superfície existe e representa um universo 2D muito jovem.

Com a expansão, diminuem a densidade e a temperatura, como ocorre com um gás. O universo 2D, que tinha área nula na singularidade, agora já apresenta uns poucos metros quadrados. Parece razoável dizer que esse Big Bang 2D ocorreu em todos os pontos da superfície que cresce, Figura 12.2 porque a superfície foi gerada pelo ponto inicial que inflou e se desenvolveu em duas dimensões. Assim, todos os pontos da superfície estavam coincidentes, infinitamente concentrados no local onde a expansão teve início. Pode-se mesmo dizer que a singularidade inicial era uma superfície esférica de raio nulo ou, pelo menos, extremamente pequeno.

Imagine agora que muito tempo se passou e a superfície esférica cresceu tanto que a energia se materializou em partículas, que criaram átomos, que constituíram moléculas para formar galáxias, estrelas, planetas e seres vivos inteligentes, que decidem agora observar o espaço (2D) através de instrumentos. Achatados na superfície da bolha em expansão, esses seres não podem perceber a forma geral de seu universo. Eles pensam que observam o todo, mas há mais espaço inacessível naquela terceira dimensão que abriga a bolha e que permite seu crescimento. Este é o universo de Eck, com um raio tão grande que qualquer região onde se fizessem pesquisas poderia dar a impressão de ser um plano, não uma superfície esférica.

Eck percebe um fenômeno interessante. As galáxias distantes mostram-se nitidamente em fuga, afastando-se daquela em que ele vive (figura 12.2). Ele percebe isso pela análise da luz que chega desses objetos brilhantes, cujo espectro sofre um deslocamento para o vermelho. Por alguns momentos, Eck imagina que está no centro de seu universo, mas logo percebe que um fenômeno de fuga idêntico seria observado pelos seres das outras galáxias, porque, estando elas em uma superfície cuja área aumenta, cada galáxia de fato se afasta das demais. Assim, ele conclui que não há pontos diferenciados em seu universo, nem um centro de onde as galáxias sejam lançadas em todas as direções. Tudo é muito semelhante, em toda parte.

Uma das razões que faz Eck acreditar que as galáxias estão espalhadas por todos os lugares é que a energia Figura 12.3 banha todos os pontos da superfície esférica em expansão. E a energia cria matéria. Ele percebe que o centro de seu universo é um ponto remoto, num sentido diferente do comum, porque não se encontra na superfície, mas no centro da esfera que cresce, na terceira dimensão que os seres 2D não percebem. Por isso, seria inútil viajar pelo seu espaço 2D para procurar o lugar central de onde as galáxias fogem.

Eck imagina que talvez fosse possível que a luz de sua própria galáxia, irradiada em todas as direções, circundasse o seu universo curvo e acabasse retornando, trazendo informações sobre o seu passado. Um possante telescópio poderia, assim, mostrar a galáxia de Eck, tal como ela foi há um tempo imenso. Mas a dificuldade de reconhecê-la em meio a dezenas de bilhões de outras, fez Eck desistir por enquanto.

As teorias cosmológicas dizem que há algumas formas possíveis para esse universo 2D. Mesmo não conseguindo enxergar essas superfícies que servem de modelos representativos a essas soluções, Eck pode tratá-las matematicamente e descobrir coisas interessantes. Uma das idéias é que, dependendo da concentração de matéria e energia em seu universo, ele pode ser plano, curvo como a superfície de uma esfera ou curvo como a superfície de uma sela (figura 12.3). Medidas posteriores poderão decidir se esse universo é finito ou infinito, se é plano ou se tem curvatura positiva ou negativa.

Havendo mais espaço (3D) fora da superfície, Eck pensa na possibilidade da existência de vários universos independentes. De fato, se várias superfícies estivessem colocadas lado a lado, espalhadas pela terceira dimensão e sem se tocarem, poderiam existir realidades separadas, cada uma sem a interferência da outra. Universos inteiros poderiam ser ignorados, pela impossibilidade (?) de se viajar através daquele espaço 3D onde eles estão colocados. Figura 12.4 Os seres 2D ficariam presos a suas superfícies de origem, cada um pensando que o universo em que vive é o único que existe.

Um pensamento que ocorre a Eck é que um incidente gravitacional talvez pudesse provocar uma singularidade em um ponto de seu universo, na superfície da bolha, dando origem a um outro Big Bang 2D, que faria nascer uma nova superfície em expansão (figura 12.4). Esta poderia se destacar da original e formar um novo universo, que cresceria de forma independente, logo ao lado. A multiplicação de eventos como esse poderia encher aquele universo 3D básico com uma infinidade de universos 2D autônomos, cada um deles tendo a sua própria expansão.

Muitas outras idéias surgem, mas Eck já está satisfeito por ter conseguido compreender alguns pontos essenciais, como a existência de outras dimensões e de lugares fora de seu universo. Ele agora sabe que o espaço 2D em que vive está crescendo e que, se este tiver a forma de uma superfície esférica, o centro da expansão certamente não estará nela. Percebeu que os aglomerados de galáxias se afastam uns dos outros porque mais espaço está sendo criado entre eles a cada instante, já que o Big Bang é um processo de criação de espaço. Tudo isso ajudou Eck a se libertar de velhos conceitos e a aceitar a limitação dimensional que seu universo lhe impõe fisicamente, porque, em compensação, ficou claro que no domínio da mente essa barreira não existe.

É bom que ele tenha se preparado para tratar esses problemas multidimensionais, porque um aspecto da realidade foi intencionalmente deixado sempre de lado em todos os seus estudos: o tempo. Tão limitador quanto o espaço, é ainda mais estranho, porque não pode ser visto. Não há como ignorá-lo, se a intenção que se tem for a de se chegar a uma descrição completa dos fenômenos físicos que ocorrem em qualquer universo.



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