Mágicas em duas dimensões


Figura 4.1

A percepção de Eck sobre a possibilidade de existência das dimensões superiores, além das duas que compõem o seu universo, faz despertar nele a lembrança de um fenômeno estranho que observou há muito tempo numa tarde tranqüila, sem vento nem nuvens. Ele caminhava por uma área isolada de seu planeta quando ouviu um ruído. Ao virar-se para ver o que estava acontecendo, Eck notou um pequeno ponto luminoso surgindo do nada, sem uma razão aparente. Em questão de segundos o objeto perdeu seu brilho original, deixou de emitir som e assumiu a forma de um pequeno triângulo com a cor de metal polido. Então, com movimento suave, aproximou-se de Eck, permaneceu flutuando a uns poucos passos e realizou uma exibição enigmática, sugerindo um comportamento inteligente. Para espanto de Eck, aquela aparição fantasmagórica mudou de aspecto bem diante dos seus inúmeros olhos, cresceu em tamanho e assumiu um formato variado, com movimento giratório lento. Entre outras formas poligonais assumidas pelo objeto, Eck identificou com segurança um triângulo equilátero, um quadrado e um hexágono regular. O fenômeno continuou por algum tempo, até que o objeto diminuiu de tamanho, começou a brilhar novamente e, com o mesmo ruído de antes, do mesmo modo como surgiu, desapareceu sem se mover. Ele simplesmente sumiu sem deixar vestígios.

A pista usada por Eck para encontrar uma explicação para o estranho caso é o fato de que o objeto surgiu num determinado lugar sem que passasse por pontos próximos circundantes. Eck imagina o que aconteceria se um quadrado atravessasse um universo de apenas uma dimensão. Ele conclui que uma testemunha 1D que vivesse na reta veria também algo aparecer à sua frente, mudar de tamanho e depois sumir sem passar pelos pontos vizinhos. Assim, parece razoável supor que aquele OVNI poligonal que Eck viu tenha sido a passagem de um objeto 3D pelo seu próprio espaço 2D (plano). Na figura 4.1 nós podemos ver que aquela manifestação estranha foi a interseção de um cubo comum com o universo plano onde vive Eck. Figura 4.2 Como nosso amigo vê somente o que está em seu espaço 2D, ele não percebe poliedros e interpreta aquela fatia infinitesimal do cubo como sendo um objeto real de seu universo, que surge, gira, muda de forma e tamanho, para depois sumir.

O mesmo processo poderia explicar a observação relatada mais recentemente por um grupo de estudiosos de casos estranhos no espaço 2D. Um objeto arredondado surge do nada, cresce, oscila, fica alongado e parte-se em dois. Sempre em movimento, os dois objetos voltam a se aproximar um do outro, juntam-se e somem como por mágica. Algumas autoridades de Xy, onde mora Eck, dizem que o grupo deve ter visto apenas um planeta. Especialistas têm certeza de que foi um relâmpago circular, raro, mas possível e já criado em laboratório. Falaram também em bolhas de plasma. Porém, Eck começa a desconfiar de que um objeto tridimensional com buraco central fez uma passagem pelo seu universo 2D. Na mesma figura 4.1, mais ao fundo, nós podemos ver uma rosquinha 3D e o efeito que ela causa ao atravessar o plano de Eck com movimentos de translação e rotação. Como antes, um único objeto, simples, rígido e maciço causou uma interferência de difícil interpretação num espaço com menor número de dimensões.

Eck pensa agora sobre o que aconteceria se ele forçasse um squart a atravessar perpendicularmente um universo 1D. Para quem não sabe, um squart é uma ferramenta usada no mundo de Eck, com a forma de um símbolo matemático de raiz quadrada. A figura 4.2 mostra Eck empurrando o squart com seu braço superior direito. Tente prever você o que a testemunha unidimensional (segmento AB) iria presenciar. Inicialmente, um objeto surgiria logo à frente de Ab (nome da testemunha 1D) e se afastaria com velocidade uniforme. Após percorrer uma certa distância, ocorreria uma mudança de sentido e o objeto retornaria ao ponto de partida. Para assombro de Ab, a reversão ocorreria num tempo nulo, invalidando as leis da Física, já que seria necessária uma aceleração infinita. Ab ficaria sem entender como o objeto não foi destroçado pelas forças internas geradas. Figura 4.3 Ao chegar perto, o OVNI pararia subitamente, permaneceria ali estático por algum tempo, desafiando a mente de Ab, e então desapareceria sem deixar traços. As autoridades do espaço 1D diriam que Ab não é confiável. Os cientistas explicariam que a mudança súbita do sentido de um movimento invalida as leis da inércia. Eck, idealizador e causador do fenômeno, poderia explicar tudo muito bem.

Eck percebe que um squart funciona no espaço 1D como um amplificador de velocidade. Se aquela parte do squart com formato de V interceptasse o universo linear num ângulo pequeno, próximo de zero, a interseção que Ab vê poderia se deslocar com imensa velocidade, até mesmo superando a velocidade da luz. Eck sabe que nenhuma lei está sendo violada, porque a interseção não é um objeto único, mas partes distintas do squart. Assim, não haveria movimento físico real, com transporte de massa na direção da reta, mas perpendicularmente a ela. Eck medita sobre o que ele veria se um supersquart 3D atravessasse o seu universo plano.

As interferências dimensionais deixam aberta uma porta fascinante. Veja o caso da figura 4.3, que mostra duas situações separadas no tempo. Inicialmente, Eck observa sua amiga Thinxy emparedada, sem poder sair de um quarto fechado. Eck caminha ao redor e vê que não há como tirar sua amiga de lá sem abrir uma fenda nas paredes, já que ela se encontra totalmente cercada. Entretanto, nós, seres 3D, temos uma solução de que Eck nem suspeita: pegar Thinxy, levantá-la do plano e depois pousá-la novamente no mesmo plano, mas numa área fora do quarto. Nós o fazemos e criamos um quebra-cabeças. Para Eck ocorreria algo inacreditável. Através das paredes de vidro grosso, ele veria Thinxy desaparecer subitamente lá de dentro, para logo depois surgir ao seu lado, fora do quarto. Quando ela reaparece, Eck olha para o quarto e vê que continua fechado por todos os lados como antes. Ele fica confuso por alguns instantes, mas acaba percebendo que sua amiga foi transportada através da terceira dimensão. Muitos pensamentos correm rápidos por sua cabeça. 1) Aquela dimensão extra toca em todos os pontos de seu universo plano. 2) Bastaria um movimento microscópico na direção correta para abandonar o universo plano. 3) Enquanto carregada por um de nós, seres 3D, Figura 4.4 Thinxy não poderia ser encontrada em nenhum lugar do universo de Eck. 4) A possibilidade de seres 3D terem acesso direto a áreas inteiramente fechadas faz Eck perceber que qualquer ponto do interior de seu próprio corpo poderia ser tocado sem a necessidade de cortar a sua pele, o que permitiria realizar cirurgias fantásticas. 5) Ao imaginar Thinxy fora do plano, Eck percebe que um pequeno descuido poderia tê-la trazido de volta como sua imagem em um espelho, numa situação física muito difícil de explicar. É o que veremos a seguir.

Eck pensa em pegar um segmento CD em um espaço 1D, retirá-lo e colocá-lo de volta na forma DC, como mostra a figura 4.4. Para um observador unidimensional, o resultado seria desconcertante, pois não há como inverter a infinidade de pontos internos de um segmento. No plano ocorre a mesma coisa. Um objeto como a letra F da mesma figura só pode ser transformado na sua forma espelhada se for levado à terceira dimensão, onde a operação de inversão de um objeto 2D requer apenas uma rotação suave. Eck imagina o que aconteceria com ele mesmo se passasse por esse processo. Ao retornar, ele estaria sutilmente diferente em sua aparência externa, mas uma radiografia assustaria os seus médicos. Para o próprio Eck, o mundo pareceria ao contrário e seria muito difícil ler ou dirigir veículos.

Aqui estão, portanto, algumas idéias novas, que deixaram Eck mentalmente esgotado. Ele resolve tirar férias por duas semanas, antes de prosseguir. Se necessário, faça o mesmo.



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