Torcendo um universo 2D


Figura 5.1

Em função do resultado do teste realizado por Eck para encontrar a soma dos ângulos internos de um triângulo, tudo o que ele pensou sobre a terceira dimensão ficou dentro da suposição de que o seu próprio universo 2D era um plano infinito. Mas um descuido na escolha do triângulo ou a procura por uma região isolada podem tê-lo feito chegar a uma conclusão precipitada.

Note como nós não percebemos a curvatura da Terra quando olhamos para o chão próximo aos nossos pés. Ele parece plano porque estamos utilizando uma região pequena demais para que se possa fazer uma avaliação correta do todo. Do mesmo modo, Eck suspeita de que o seu triângulo pode não ter sido suficientemente grande para indicar uma torção em seu espaço 2D. Ele resolve pensar um pouco em outras possíveis formas para seu universo, mesmo que não consiga enxergar a terceira dimensão como nós.

Eck olha para uma circunferência (a linha) e fica imaginando um ser de apenas uma dimensão a girar eternamente sobre ela, sem poder abandoná-la, pensando que está sobre uma reta e quase enlouquecendo quando volta ao ponto de partida. Eck imagina uma situação semelhante em uma superfície que seja análoga daquela linha curva: um universo 2D finito, curvo, de raio constante. Nós, seres 3D, sabemos que essa forma é uma superfície esférica, mas um ser 2D contido nela não conseguirá visualizá-la. Se ela tiver um raio de curvatura muito grande, confundirá os que nela vivem, que pensarão estar sobre um plano, do mesmo modo como a Terra parece plana no quintal.

Não se iluda com a aparência volumétrica do objeto da figura 5.1, porque nela está apenas a superfície de uma esfera, como uma folha curva de papel, infinitamente fina, fechada e oca, como a parte externa da casca de uma laranja. Os volumes interior e exterior da esfera ficam na terceira dimensão, inacessíveis aos seres 2D. Não existem linhas retas verdadeiras, do senso comum, nessa superfície. As suas "retas" são círculos máximos, como a linha do equador e os meridianos da Terra, suposta esférica. Figura 5.2 É o mais reto que se pode andar sem sair daquele universo. Essas linhas mais retas são chamadas de geodésicas, correspondem à menor distância entre dois pontos da superfície e são uma melhor definição, mais geral, para reta. Veja aquele grande triângulo equilátero com três ângulos internos de 90 graus.

Um ambiente como esse é estranho para Eck, porque é finito e tem propriedades diferentes daquelas a que ele está habituado. É um lugar onde nem o número pi é constante, se for definido apenas como a relação entre o perímetro e o diâmetro de um círculo, porque a relação agora varia, podendo assumir valores como dois ou até mesmo zero. Outras superfícies produziriam resultados diferentes na soma dos ângulos internos de um triângulo ou na relação perímetro/diâmetro de um círculo. Nosso amigo decide deixar esses detalhes para estudos posteriores.

Lendo os trabalhos teóricos de Eckstein sobre a influência da matéria (ou da energia) sobre a geometria de seu universo, Eck decide fazer uma experiência para verificar se a presença de uma grande massa faria mudar o valor de um dos ângulos de um triângulo. Ele escolhe seu planeta Xy e duas estrelas para formar o polígono, tomando o cuidado de deixar o sol Luxy no interior. Ele aguarda por condições favoráveis durante um eclipse total de Luxy, para poder ver as estrelas. O resultado é inacreditável, porque o ângulo entre as estrelas muda, provando que Eckstein está com a razão. Por mais fantástico que pareça, a gravidade não é uma força. Ela é considerada assim porque os seres 2D não percebem que é a deformação de seu universo que causa os desvios de rota dos corpos em movimento livre. A figura 5.2 mostra um raio de luz de uma estrela distante atravessando uma região alterada do universo 2D e sofrendo um grande desvio angular, que vai ser interpretado pelo observador como atração gravitacional. Mais uma vez, um fenômeno que ocorre numa direção inacessível produz efeitos físicos estranhos num espaço com menor número de dimensões.

Figura 5.3

As equações teóricas associadas a esse novo modo de explicar a gravidade deixam várias soluções matemáticas como possibilidades reais no mundo físico. Uma delas é a de que uma enorme concentração de massa poderia causar uma torção elevada num universo 2D a ponto de prender as geodésicas em um redemoinho. O resultado seria algo como um poço sem fundo. Eck o batiza de buraco negro, pois nem mesmo os raios de luz escapariam dele. Observações astronômicas futuras verificarão se objetos como esse existem mesmo.

Quanto à forma do espaço 2D, uma dúvida fica no ar. Será que as deformações causadas pelas massas são apenas locais, próximas e ao redor delas, mantendo o universo plano em larga escala, ou a influência de todas as massas produz uma deformação geral, capaz de encurvá-lo em sua totalidade ou até de fechá-lo como uma superfície esférica? Os cientistas 2D só poderão saber a resposta depois que obtiverem mais informações sobre a distribuição da matéria por toda a área de seu universo.

Eck dá asas à sua imaginação e procura por equações de superfícies mais complicadas como possíveis formas para um universo 2D. A primeira delas surge quando ele pensa num ser de apenas uma dimensão caminhando sobre os lados de um triângulo. Eck fica intrigado com os vértices. O que aconteceria ao sujeito 1D se passasse por ali? Uma versão bidimensional do mesmo problema merece ser estudada por analogia. Se um ser 2D caminhasse pela superfície de um poliedro, ele poderia cruzar uma aresta ou passar por um vértice para entrar numa face vizinha. O que aconteceria naqueles lugares onde o espaço é dobrado bruscamente? Nem é bom pensar.

Eck prefere estudar um tipo de universo cônico como o da figura 5.3. Ele percebe que um fenômeno esquisito ocorreria ao redor do vértice. Veja você como o cone foi construído a partir de um setor circular de 270 graus de ângulo central, ao serem colados os dois lados retilíneos (raios). O resultado espantoso é que esse universo continuaria, de certo modo, a ter propriedades semelhantes às do plano, porque a superfície cônica pode ser planificada, mas haveria um ponto diferente de todos os outros, perto do qual Eck nem pensaria em passar. Figura 5.4 Aquele vértice singular e perigoso pode ser circundado sem problemas, mas, quem faz a viagem mantendo sempre a mesma distância dele, completa a volta numa circunferência de apenas 270 graus, não de 360. Incompreensível, para quem está preso àquela folha cônica e não a vê de fora como nós.

Uma superfície como a da figura 5.4 poderia transformar um objeto 2D em sua imagem espelhada sem levá-lo à terceira dimensão. Ela tem a forma de uma tira torcida e é parte de uma superfície mais geral, fechada, que intercepta a si mesma, com apenas um lado, da qual não se pode dizer onde estão o interior e o exterior. Uma letra F, que no plano não pode mudar para sua forma invertida, consegue chegar a ela se fizer uma viagem adequada por esse universo 2D incomum. Convença-se disso construindo um. Pegue uma tira de papel fino com uns 2 metros de comprimento e uns 10 centímetros de largura (um retângulo comprido). Você deve colar as pontas, formando um anel, mas com um cuidado especial. Se as pontas forem coladas do modo mais natural, a superfície terá forma cilíndrica. Não as cole assim. Vire uma das pontas ao contrário antes de colar (apenas meia volta). A tira ficará torcida e passará a ter propriedades interessantes.

Essa superfície mostra toda a sua estranheza quando é cortada ao comprido. Fure o meio da tira com uma tesoura e faça o longo corte no anel de forma a parti-lo em dois iguais, cada um com metade da largura original. Você pode também pintá-lo, com cada lado da superfície de uma cor. Do mesmo modo como você não vai ter dois anéis no teste do corte, não vai precisar de duas cores no teste da pintura. Faça e comprove. Eck analisa essas características matematicamente, porque nem em sonhos consegue visualizar um espaço bidimensional torcido.

Aí estão mais algumas idéias aplicadas a espaços 2D. Elas nos prepararam para avançar e estudar o espaço 3D, no qual seremos colocados na mesma situação desconfortável de Eck.



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