Uma experiência inesquecível


Eclipse total do Sol - Nelson Falsarella e Fátima Carnicel

Aeroporto Municipal de Concórdia, Santa Catarina, 3 de novembro de 1994, 9 horas e 41 minutos do horário de verão: uma pequena mordida aparece na parte superior esquerda do disco brilhante do Sol, marcando o início da fase parcial do eclipse total do Sol e de uma experiência por demais fascinante para que estas palavras possam descrever com perfeição.

O dia está muito bonito, sem vento, e no céu azul da manhã não há nuvens. Ao meu lado está o amigo Sérgio, companheiro de viagem. Também estão conosco a família que gentilmente nos hospedou na cidade e um grupo de aproximadamente 200 participantes, entre curiosos e astrônomos amadores e profissionais de diversas regiões do País.

A princípio tudo transcorre de maneira tranqüila, como nos outros eclipses parciais do Sol que tive a oportunidade de ver. Os colegas interessados em astronomia, com telescópios, filmadoras e máquinas fotográficas, conversam normalmente em tom baixo, explicando o que vão fazer durante os poucos minutos em que a Lua vai cobrir completamente o Sol. Muitos imaginam, enganados, que sabem exatamente o que vai acontecer em breve.

Os curiosos estão um pouco assustados por causa da campanha divulgada pelos meios de comunicação, alertando para que todos se trancassem dentro de casa, fechando portas, janelas e os olhos. Alguns beatos anunciam mais um fim do mundo, talvez o vigésimo quinto dos que escapei. Um jornal de Concórdia sugere aos pais que amarrem seus filhos menores a cadeiras e lhes ponham vendas nos olhos. Duas faixas enormes na frente de uma escola da cidade de Seara dizem: "Eclipse solar: o perigo à luz do dia" e "Três ou quatro minutos que podem custar a sua visão". Cheguei a parar jovens nas ruas de Chapecó para persuadi-los a saírem de suas casas durante o fenômeno.

Consigo explicar a muitos dos que estão comigo no aeroporto que não há perigo de se perder a visão durante a totalidade, pois a luz do Sol é completamente bloqueada pela Lua. Durante as fases parciais é que se necessita do filtro número 14, usado nas máscaras de soldador.

A Lua já cobre quase todo o Sol e a temperatura caiu muito. As pessoas começam a ficar mais agitadas e a falar cada vez mais alto. O azul do céu está bem mais escuro do que o normal. Embaixo das árvores posso ver milhares de imagens do eclipse, resultantes da passagem da luz do Sol pelos espaços entre as folhas, que funcionam como lentes naturais.

As pessoas começam agora a gritar e a correr em todas as direções, querendo olhar para todos os lados ao mesmo tempo, numa tentativa inútil de acompanhar os eventos que se sucedem em alta velocidade. Os animais ficam inquietos. Aparecem franjas de luz e sombra, como pequenas ondas, desfilando lentamente pelo chão. O céu assume uma cor incomum e escurece mais depressa. A paisagem se mostra com um colorido muito estranho e já não se vê bem à distância. Montanhas e árvores transformam-se em meras silhuetas, como figuras indistintas recortadas em papel.

Uma parede escura levanta-se rapidamente do horizonte. É a sombra da Lua aproximando-se de nós a cerca de 2000 quilômetros por hora, como um véu a cobrir todo o céu. A luminosidade do ambiente cai de maneira assustadora. As pessoas ficam completamente atônitas e mal podem crer no que estão vendo. Um filete de luz é tudo o que resta do Sol. As sombras tornam-se muito nítidas. A temperatura cai ainda mais. Poucos segundos depois, às 10 horas e 52 minutos, procuro o Sol através do filtro e não mais o encontro. Olho diretamente para cima e não acredito no que vejo. É a coisa mais linda deste mundo. Uma flor de plasma com pétalas brancas circundando uma Lua completamente negra em um fundo azul metálico. Fantástico! Indescritível!

Escurece ainda mais. Uma forte emoção toma conta de todos. Ninguém se contém. No céu, azul acinzentado e escuro como num crepúsculo, aparecem estrelas por todos os lados. Vênus, Júpiter e Mercúrio completam o espetáculo. Encontro facilmente o Cruzeiro do Sul, Spica, Sirius, Canopus e as estrelas principais do Centauro. O horizonte fica com uma tonalidade amarela em toda a nossa volta. Meu coração dispara e fico tão engasgado que mal consigo falar. O que estou presenciando é algo muito além da imaginação, que parece não ser feito para os seres humanos. De todas as direções se ouve o resultado do impacto brutal causado por aquela visão, até mesmo nos astrônomos profissionais: "Não é possível!", "Não dá para acreditar nisso!", "É demais!".

A Natureza fica completamente confusa. As flores noturnas se abrem, os grilos começam a sua serenata e os pernilongos saem do mato para nos picar. Dois pássaros que voavam tranqüilos, apanhados de surpresa pela escuridão repentina, pousam na pista do aeroporto e olham um para o outro, assustados. O galinheiro de uma chácara próxima, que fazia a barulheira de um fim de tarde, faz silêncio agora, como se a noite tivesse chegado.

Meu amigo larga a filmadora ligada no chão, entra em pânico e começa a tirar fotos do Sol eclipsado, uma atrás da outra, sem conseguir parar. Alguém grita ao longe que a máquina não bate, por causa da falta de luminosidade. Um garoto diz que está tendo problemas com a filmadora. O pai, percebendo que nenhuma imagem registraria a beleza do que estava vendo a olho nu, responde: "Larga isso e vem ver o eclipse!".

São quase 10 horas e 56 minutos, menos de quatro minutos depois que o Sol desapareceu. Estou olhando diretamente para aquela maravilha no céu quando aparece o primeiro ponto luminoso no limbo escuro da Lua, dando a ela a forma de um anel de diamante. É um brilho azul claro, de uma luz fantasmagórica como aquela da solda elétrica. Ela cresce e toma rapidamente todo o céu, fazendo as estrelas e os planetas desaparecerem, ofuscados pelo seu fulgor. Lindo! Inacreditável!

A sombra da Lua se vai e, com ela, os mosquitos e os grilos. A temperatura aumenta e as flores noturnas voltam a se fechar. O céu clareia, os dois pássaros decolam e o eclipse transcorre agora na ordem inversa, como um filme passado de trás para a frente. Um galo canta, anunciando o nascer do dia pela segunda vez. As pessoas não resistem. Muitas choram de emoção. Fico completamente deslumbrado, arrepiado e bastante emocionado. Eu não podia imaginar que iria ver alguma coisa tão diferente e infinitamente mais bela do que todas as fotografias e filmagens de eclipses solares totais que conhecia.

Todos comemoram, compartilham seus sentimentos e percebem que não serão mais as mesmas pessoas de antes. Agora compreendem que viram algo muito especial e já sabem que um eclipse total do Sol é bem mais do que apenas uma sombra. Várias crianças vêm a mim, ainda soluçando, e me abraçam forte, beijando meu rosto em silêncio, numa demonstração de gratidão por eu as ter convencido de ver aquele espetáculo.

Agora está terminado. Uma saudade imensa toma conta de todos, pois sabemos que será muito difícil ter a oportunidade de ver aquilo novamente. Tudo o que resta é uma sensação estranha, difícil de explicar, um pouco triste, mas grandiosa e transcendente, como a emoção sentida por alguém que tivesse estado na presença de Deus.



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